30 de Março de 2022 às 08:31

Artigo: Burnout, o bancário é o fósforo queimado da vez

Artigo

*Por Priscila Arraes Reino, advogada previenciária da Arraes & Centeno Advocacia

Não é de hoje que falamos sobre o adoecimento dos trabalhadores bancários com a Síndrome de Burnout, uma das doenças que mais causam o afastamento desses profissionais. 

Mas recentemente um fato entrou para os registros médicos. Burnout passou a ser considerada uma doença do esgotamento profissional. 

Isso tem impacto direto sobre os direitos e benefícios previdenciários dos bancários com a Síndrome de Burnout, como trataremos nesse artigo.  

Entre 2009 a 2017, a quantidade de bancários e bancárias afastados por problemas mentais, como Síndrome de Burnout, aumentou em 61,5%, já o número total de afastamentos foi de 30%. A fonte é o próprio INSS. 

No ano de 2017 foram 17.310 de bancários afastados por doenças, mais de 50% desses casos foram relacionados a transtornos mentais (depressão, Burnout) e doenças por esforço repetitivo (LER, DORT), sinalizando que mais da metade dos afastamentos são originados pela condição profissional do bancário.

Os dados ainda não foram atualizados após a pandemia de Covid-19 e, lamentavelmente, a expectativa é de que esses números sejam ainda piores.

Isso porque, em 2020, o Brasil registrou mais de 576 mil novos pedidos de auxílio-doença (o novo benefício por incapacidade temporária) e aposentadoria por invalidez devido a transtornos mentais (até então esse era o enquadramento da síndrome). Foi o maior número já registrado pela Secretaria Especial da Previdência e Trabalho.

A pesquisa mais recente com esse público foi feita pela FENAE (Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal) e avaliou 3.000 funcionários da CAIXA. O estudo verificou que:

  • 80% dos bancários da Caixa sofrem de doenças relacionadas ao trabalho;

  • 20% dos trabalhadores afirmaram ter jornada de trabalho superior às 8 horas diárias;

  • 26% dos entrevistados sofrem de transtorno de ansiedade;

  • 13% dos funcionários passaram a apresentar sintomas de Burnout;

  • 11% começaram a ter Síndrome do Pânico;

  • e que 33% dos entrevistados estão afastados por depressão.

Este levantamento demonstra a sobrecarga de trabalho, a pressão por produtividade, as metas abusivas e o assédio moral cada vez mais levam o bancário e a bancária ao adoecimento. 

O adoecimento dos bancários seria em nome da lucratividade?

Talvez essa seja uma das respostas mais plausíveis para o problema, isto porque a lucratividade dos bancos aumenta exponencialmente, mesmo durante a maior crise sanitária do século XXI no mundo.

Segundo a Presidente do sindicato dos Bancários de SP, Osasco e região, durante o ano de 2021, os quatro maiores bancos do país (Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander) registraram:

  • R$ 90,5 bilhões de lucro líquido com aumento de 34,7% em relação ao mesmo período do ano anterior;

  • desde 2020 até início de 2022, fecharam mais de 3 mil agências e eliminaram mais de 12 mil vagas de emprego;

  • mantiveram a alta dos juros e tarifas durante a pandemia;

  • aumentaram as metas dos trabalhadores;

  • e acumularam, nos dois últimos anos em meio a uma pandemia, R$ 157,6 bilhões de lucro.

Os bancários estão sendo cada vez mais pressionados e exigidos, considerando todo o acúmulo de serviço que restou dos cortes de postos de trabalho e a busca incessante pela lucratividade dos Bancos.

Quais doenças mais afetam os bancários?

Os bancos respondem por apenas 1% dos empregos no Brasil, mas foram os responsáveis por 5% do total de afastamentos por doença no país, entre 2012 e 2017.

Assim, o profissional bancário adoecido deve se conscientizar que as doenças que o incapacitam para o trabalho são, em sua maioria, doenças ocupacionais.

Dentre as 5 doenças que mais afastam os bancários estão:

  • Depressão;

  • Ansiedade;

  • Bursite (Bursite é a inflamação da bolsa sinovial ou bursa. Também é considerada uma doença LER / DORT)

  • Tendinite (é uma lesão por esforço repetitivo-LER que é chamada atualmente de distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho-DORT);

  • E a síndrome de Burnout.

Em 2022, tivemos uma grande mudança na classificação feita pela Organização Mundial da Saúde – OMS, que deixou de classificar a síndrome de Burnout como um problema relacionado à organização do modo de vida: esgotamento (CID 10 – Z73.0) e passou a entender que a síndrome é de esgotamento profissional, passando a compor o capítulo específico dos problemas gerados e associados ao emprego ou desemprego.

Com isso, ela é oficialmente equiparada ao acidente de trabalho e fornece direitos e garantias, sendo muitas vezes desconhecidos pelos empregados segurados.

Doenças e transtornos mentais como a Síndrome de Burnout é a grande algoz desses profissionais, principalmente no contexto atual de precarização das relações de trabalho.

Burnout: uma doença ocupacional

A Doença ocupacional é aquela adquirida pela atividade desenvolvida no trabalho ou pelo meio ambiente ao qual esteve exposto é bastante comum sendo considerada acidente de trabalho, conforme determina a lei 8.213/91.

Existindo o diagnóstico de Síndrome de Burnout, o bancário pode ter direito a dois benefícios: auxílio-doença acidentário (B91) ou aposentadoria por invalidez ocupacional (B92).

O primeiro é concedido ao bancário que estiver temporariamente incapacitado para as atividades habituais e o segundo quando a incapacidade for definitiva.

Infelizmente, pela falta do diagnóstico correto ou por erro na análise do INSS, muitos segurados ao realizarem o pedido de auxílio recebem de forma incorreta o auxílio-doença previdenciário (B31).

Vamos entender esses três benefícios:

Auxílio-doença previdenciário (B31)

Atualmente chamado de benefício por incapacidade temporária, ele é um direito concedido em decorrência de uma incapacidade causada por uma doença comum ou uma doença grave.

Para ter direito ao benefício, o segurado deve estar incapacitado para o trabalho habitual por mais de 15 dias consecutivos, ter qualidade de segurado (ou estar no uso do período de graça) e ter no mínimo 12 contribuições.

A síndrome do esgotamento profissional não é caracterizada como uma doença comum ou grave e sim como uma doença ocupacional equiparada a um acidente de trabalho.

Assim, ao receber o auxílio-doença, o bancário com Burnout passa a precisar cumprir o requisito de carência (o que não é exigido para as doenças ocupacionais), não tem o direito à estabilidade no retorno às atividades, não têm o recolhimento do FGTS mantido, não tem o convênio médico mantido e recebe menos do que receberia com o B91.

Quer entender melhor os direitos e deveres do empregado que precisa solicitar o benefício de incapacidade temporária por doença comum?

Auxílio-doença acidentário (B91)

Já o auxílio-doença acidentário é concedido em decorrência de uma incapacidade causada por acidente de trabalho típico, doença ocupacional ou doença profissional.

Para este benefício não há obrigatoriedade do período de carência de 12 meses. Além disso, quem recebeu auxílio-doença acidentário não pode ser demitido ao voltar ao emprego, pelo período de 12 meses (estabilidade provisória).

Para o caso da Síndrome de Esgotamento Profissional, o mais comum é que ao ter ciência do diagnóstico do empregado, o empregador emita o Comunicado de Acidente de Trabalho – CAT, considerando ser uma doença ocupacional.

Caso o empregador se negue a entregar a CAT, ela poderá ser emitida pelo médico, pelo sindicato, pelo empregado ou pelo judiciário, caso necessário.

Pedido de conversão do B31 para o B91

Sim, pode pedir a conversão e garantir os seus direitos trabalhistas e previdenciários. 

Contudo, essa alteração não costuma ser um processo simples e exige que o empregado apresente documentos que comprovem a conexão da doença com o ambiente de trabalho.

Além da CAT, outros documentos que podem compor o pedido de conversão são:

  • Laudo médico com a anamnese, CID e assinatura com CRM do profissional especialista;

  • NTEP – Nexo Técnico Epidemiológico: documento que associa doenças aos ramos de atividades econômicas e ajuda o médico perito a entender se a doença ou lesão tem caráter ocupacional, ou não; 

  • Receitas de medicamentos e atestados médicos;

  • Laudos de exames;

  • Boletim de Ocorrência de acidente (quando for o caso de acidente de trânsito);

  • Relatório de acidente da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidente) etc.

Caso você verifique que o seu benefício foi concedido de forma errada, busque o auxílio de um escritório especialista em direito previdenciário, muitos pedidos de conversão do benefício são indeferidos pela falta dos documentos que comprovem a relação entre a doença e o ambiente de trabalho.

Benefício de aposentadoria por doença ocupacional

A importância de se fazer o pedido de benefício correto por doença ocupacional é ainda maior quando o trabalhador fica permanentemente incapaz de exercer suas atividades.

Se a incapacidade foi gerada por doença comum ou grave, o benefício será de 60% da média de todos os salários de contribuição desde julho de 1994 até a data do pedido, mais 2% dessa média a cada ano que ultrapassar 15 anos de contribuição no caso das mulheres e 20 de contribuição para os homens.

Enquanto no caso da aposentadoria por incapacidade permanente, causada ou agravada por um acidente de trabalho ou uma doença ocupacional, o benefício será de 100% da média de todos os salários de contribuição, de julho de 1994 até a data do pedido.

Um percentual de 40% de diferença para os cálculos que podem significar um aumento significativo da sua aposentadoria, fique atento às nomenclaturas dos benefícios para não perder nenhum direito.

Direitos trabalhistas do bancário com Burnout

O bancário com Burnout afastado por auxílio-doença acidentário, além da estabilidade por 12 meses ao retornar às atividades liberadas pelo INSS, também pode ter direito:

  • à rescisão indireta do contrato de trabalho quando comprovado o nexo entre a Burnout e o ambiente de trabalho;

  • o direito à indenização moral, caso exista culpa do empregador pelo ambiente não saudável;

  • o direito à indenização material, caso exista culpa do empregador pelo ambiente não saudável, com os gastos médicos;

  • manutenção do pagamento de FGTS;

  • manutenção do convênio médico durante o afastamento;

  • manutenção dos benefícios de cesta básica, tickets alimentação e complementações salariais;

  • Pensão mensal, caso tenha perdido parte de sua capacidade ou toda a capacidade, que pode chegar a ser vitalícia.

Lembrando que as possibilidades de indenização deverão ser solicitadas na justiça, com a devida comprovação da responsabilidade da empresa, seja por ação ou omissão. 

Você que é bancário ou bancária, deve procurar um escritório especialista no assunto para saber exatamente quais são os seus direitos, quais documentos são necessários para comprovar e como responsabilizar aqueles que te geraram tantos transtornos profissionais e pessoais.

Priscila Arraes Reino é formada em Direito pela UCDB em 2000. Inscrita na OAB/MS sob o nº 8.596 e OAB/SP 38.2499. Pós Graduada em Direito Previdenciário. Pós Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Escola da Magistratura do Trabalho de Mato Grosso do Sul. Coordenadora Adjunta do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário. Secretária da Comissão dos Advogados Trabalhista da OAB/MS. Vice-Presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas AAT/MS. 

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