25 de Novembro de 2008 às 11:54

Bernardo: bancos não estão à altura do que o País precisa

O ministro Paulo Bernardo (Planejamento) é direto quando indagado se os bancos privados estão escondendo dinheiro por causa da crise: “Claro que estão! O que eles fizeram? Fogueira com o dinheiro? Isso deve estar todo entesourado”.
 
Bernardo também diz que o Banco Central “vai ter de fazer inflexões” e baixar os juros porque a pressão inflacionária “se diluiu”. “Olha, se você vê o mundo mudar e não muda, você é maluco. E com certeza ali [no BC] não tem maluco”.
 
Segundo o ministro, os bancos não são “um bom parceiro” do sistema produtivo nacional. “O sistema financeiro brasileiro está mostrando que não está à altura do que o País precisa”.
 
Disse que o governo não dará mais reajuste ao funcionalismo. Admitiu que superávit primário deste ano poderá ficar abaixo dos 4,3% do PIB (Produto Interno Bruto) por causa da execução do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), numa política anticíclica deliberada para combater os efeitos da crise.
 
Sobre reforma tributária, bateu pesado nos governadores: “Não podemos aceitar lobby de governador”. Disse que Lula fará corpo-a-corpo e que a reforma é boa porque simplifica o sistema de impostos. Admitiu que “falta” jogo de cintura à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, para ser candidata à Presidência. Mas que isso seria uma “virtude”. Sobre o bambolê que lideranças do PMDB deram a Dilma, numa crítica à falta de habilidade política, afirmou: “Não vamos confundir política com teatro de rebolado”.
 
Bernardo afirma que a gerência da crise será importante para ditar o sucesso ou fracasso da candidatura de Dilma em 2010. Ele falou à Folha na quinta-feira passada (20), em seu gabinete.
 
FOLHA - O governo voltou a adotar um tom otimista em relação à crise, mas os dados da economia real mostram que o Brasil será muito afetado. A avaliação do governo sobre a crise não está equivocada?
PAULO BERNARDO - A crise é extremamente preocupante. Não há, de fato, efeito no Brasil além do problema do crédito, que é grave. E estamos tomando medidas para destravarmos isso. Ainda não houve problema fora do sistema financeiro. Basta ver os números. A indústria está crescendo a 6,7% ao ano, segundo o último dado, de setembro. O do comércio saiu anteontem, 9,4%.
 
FOLHA - Mas são dados do retrovisor.
BERNARDO - Você tem que dizer qual é o dado do futuro, porque aí vamos entrar nas profecias...
 
FOLHA - Não é profecia. Há montadoras dando férias coletivas, alta na inadimplência de veículos. Há dados que já mostram efeitos negativos na economia real.
BERNARDO - Há indícios de que podemos ter problemas graves. O pior deles é não ter recursos para irrigar a produção. É a empresa não ter capital de giro, não ter como financiar sua produção para exportação, não ter recursos para vender no varejo. Agora, tem indícios também de que as coisas continuam funcionando. Ontem [quarta-feira] estava vendo o jogo do Brasil e vi as Casas Bahia metendo bomba nos comerciais.
 
FOLHA - O mercado publicitário já está sofrendo.
BERNARDO - Claro, com esse noticiário que está aí. Eu, se tivesse uma empresa, não ia anunciar nada, pois estão anunciando que vai acabar o mundo.
 
FOLHA - A culpa é da imprensa?
BERNARDO - Não. Eu estou dizendo que, se o empresário olhar só o jornal, não faz nenhum centavo de publicidade.
 
FOLHA - O pior da crise já passou?
BERNARDO - Não. A crise financeira chegou ao pico e tende a diminuir. O problema é que a crise financeira, não no Brasil, nas na América do Norte, virou sistêmica. Uma crise em todos os setores da economia. Na Europa, fala-se em 10 mil demissões por dia. Recessão na Itália, na França, na Alemanha, Japão. E um problema grave de ameaça de deflação.
 
FOLHA - Isso tudo vai afetar a economia brasileira.
BERNARDO - Não sabemos em que medida.
 
FOLHA - Quando será o pico da crise no Brasil? No segundo trimestre do ano que vem?
BERNARDO - Não sei. É tudo profecia.
 
FOLHA - Qual é a avaliação do sr.? Qual o efeito na economia real?
BERNARDO - Temos indícios de que vamos ter problemas, mas não tivemos problema até agora. Seria um absurdo falar um negócio desses.
 
FOLHA - Há necessidade de novas punições aos bancos para que eles voltem a emprestar?
BERNARDO - O sistema financeiro brasileiro está mostrando que não está à altura do que o País precisa.
 
FOLHA - Os bancos privados estão escondendo dinheiro?
BERNARDO - Claro que estão! O que eles fizeram? Fogueira com o dinheiro? Isso deve estar todo entesourado. Uma coisa é o pânico e a desconfiança do que realmente vai acontecer. Se vai ter uma quebradeira de empresas e aí, por prudência gerencial, o banco não empresta. Ou pode estar esperando que o vizinho quebre para ele compra na bacia das almas. Em qualquer hipótese está claro que as empresas do setor produtivo não podem ver o sistema financeiro como um bom parceiro. Porque emprestar só se o cara provar que não precisa de nenhum centavo não é possível.
 
FOLHA - O que o governo pode fazer?
BERNARDO - Os bancos públicos têm um espaço grande na economia e acho que do jeito que vai, esse espaço vai aumentar.
 
FOLHA - Mas eles têm poder de fogo? Farão tudo sozinhos?
BERNARDO - Claro que não. Tem problemas operacionais, tem problema de funding, tem a burocracia. Mas a verdade é que nós temos que tentar. Estamos procurando, na medida do possível, agilizar e estimular, dar condições para que os bancos públicos trabalhem. Sempre lembrando que eles não são como há 15 anos, quando ligava um ministro, um deputado e determinava um empréstimo para fulano. Isso não existe mais. O cara tem que ir lá, sentar na frente do gerente, mostrar os papéis, o cadastro. Atendi dezenas de telefonemas de pessoas que ligam aqui dizendo que estão precisando [de recursos]. Pergunto se trabalham com o BB ou Caixa. Eu peço para o cara [do banco] receber e dali para frente é você e ele. Porque não vou ligar para o superintendente lá do Paraná, que é meu amigo, e dizer que ele tem que dar um jeito de dar um empréstimo. Provavelmente ele vai preso e eu também.
 
FOLHA - Não há o que fazer com os bancos privados?
BERNARDO - Os bancos públicos têm uma vocação maior para financiar o desenvolvimento.
 
FOLHA - Há limite para a ação dos bancos públicos?
BERNARDO - O limite é o da boa governança. Se eles comerem a perna do sistema inteiro, nós não temos nenhum problema com isso.
 
FOLHA - Não seria mais efetivo baixar os juros?
BERNARDO - Essa é uma alternativa. O que os Estados Unidos e Japão podem fazer em termos de política monetária? A taxa nos EUA é 1%. No Japão, menos que isso. Nós aqui temos um espaço enorme, com certeza. As nossas autoridades monetárias têm condição de perceber isso.
 
FOLHA - Mas esse não é o sinal que o Banco Central tem dado.
BERNARDO - O Banco Central tem uma preocupação com a inflação, todo mundo sabe. Até setembro, o problema era outro, era inflação comendo a renda das pessoas, desorganizando a economia. Então, havia uma política voltada para uma realidade claramente colocada. Hoje, temos outra situação. Estão falando em deflação. Não no Brasil, evidentemente. Mas a pressão inflacionária se diluiu.
 
FOLHA - A prioridade é crescimento e não inflação?
BERNARDO - A prioridade é sempre inflação, mas se não tem pressão inflacionária para combater, tem que cuidar dos outros problemas. Temos um espaço enorme para fazer política monetária.
 
FOLHA - O presidente Lula já pediu para o BC usar esse espaço?
BERNARDO - O presidente Lula não pede esse tipo de coisa. Mas o pessoal do Banco Central lê jornal.
 
FOLHA - O senhor acha que a conjuntura atual mudou o mandato do BC de controle da inflação para crescimento?
BERNARDO - O Banco Central, de 2003 para cá, se você olhar o que eles fizeram pode até criticar uma decisão de um mês ou uma decisão de um Copom. Mas a verdade é que no atacado, o Banco Central manteve a inflação controlada, passou ma credibilidade muito grande, uma tranqüilidade para o mercado financeiro e para o mercado produtivo e, portanto, deu as melhores respostas que a economia precisava. É evidente que se tem uma realidade diferente, e tem, eu concordo com você que tem uma realidade diferente, eles vão ter que fazer inflexões. Olha, se você vê o mundo mudar e você não muda, você é maluco. E com certeza ali não tem nenhum maluco. Nós não podemos esquecer que houve uma virada em torno de dois meses, que mudou completamente o quadro. Então vamos esperar o que o Banco Central vai fazer. Agora, com certeza eles estão atentos a isso, estão olhando. A minha opinião, como a gente não está proibido de dar opinião, é que eu acho que há um espaço enorme para fazer política monetária e ajudar com isso.
 
FOLHA - Ajudar com política monetária é baixar juros?
BERNARDO - Claro.
 
FOLHA - Já na reunião do BC em dezembro?
BERNARDO - Não vou avançar mais nisso porque não quero levar um puxão de orelha. Mas eu acho que está na cara que tem esse espaço.
 
FOLHA - De quanto será o superávit primário de 2008?
BERNARDO - Queremos que feche em 4,3% do PIB. Mas se executar mais o PAC, temos condições de fazer até menos.
 
FOLHA - Se haverá recuo na economia, não é irreal prever crescimento de 4% do PIB em 2009?
BERNARDO - Mas vamos ter quase 5,5% esse ano. Se crescermos 4% no ano que vem, já será uma queda de 1,3 ou 1,5 ponto no PIB. É recuo grande. É verdade que tem uma crise grande que pode levar a um recuo muito maior. Mas vamos atuar para que isso não aconteça. Achamos que essa é a função do governo nesse momento.
 
FOLHA - Pode haver recuo maior?
BERNARDO - Até discutimos isso [em reunião com o presidente]. Eu achava que se puséssemos uma previsão de 3,8%,talvez ficasse melhor. Mas o Guido [Mantega, ministro da Fazenda] nos convenceu que temos condição e temos que trabalhar para fazer a economia chegar a 4%.
 
FOLHA - Como o presidente opinou nesse debate?
BERNARDO - O presidente disse que o País vai surpreender a turma que tem dúvidas.
 
FOLHA - O sr. prefere aumentar os gastos de investimentos ou cortar impostos para implementar a política anticíclica que o governo promete para 2009?
BERNARDO - Os dois. Se aprovarmos a reforma tributária, será um sinal fantástico para o setor produtivo.
 
FOLHA - O governo vai se empenhar para aprovar a reforma no Congresso? Há resistências.
BERNARDO - Nós não podemos aceitar esse lobby de governadores aqui. Reforma tributária não é para resolver problema de nenhum governador. É para resolver o problema do sistema produtivo. Desde as reformas tributárias no governo Collor, nenhum projeto incluiu o nível de desoneração que está sendo proposto agora. Estamos diminuindo a tributação sobre a folha de 20% para 14% e tirando mais 2,5% do salário educação.
 
FOLHA - Qual será o impacto dessa reforma na carga tributária?
BERNARDO - A arrecadação vai aumentar. Vai estimular muito a atividade.
 
FOLHA - O sr. diz que o governo não pode aceitar lobby de governadores, mas eles têm bancadas fortes no Congresso. Como é que vai aprovar?
BERNARDO - Eu não sei quanto importante os governadores são, mas a sociedade é mais. Essa reforma vai simplificar. Só de simplificação, essa coisa de unificar o ICMs, fazer o IVA, dar uma racionalidade para esse sistema, tirar cinco impostos e virar um do governo federal, vai diminuir o próprio percentual de gasto.
 
FOLHA - Mas como fará para aprovar? O presidente Lula vai entrar no corpo-a-corpo?
BERNARDO - Já estamos no corpo-a-corpo. O presidente já está.
 
FOLHA - Haverá alguma trava a aumentos do funcionalismo?
BERNARDO - Funcionalismo nós já fizemos o que tinha que fazer. Isso agora é em 2011. O novo governo certamente terá uma política.
 
FOLHA - O sr. defende a candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência?
BERNARDO - Tenho simpatia. Se existisse essa tendência no PT, eu poderia ser considerado “dilmista”. É evidente que isso não está definido. A eleição é daqui a dois anos.
 
FOLHA - Está preparada para ser candidata e presidente?
BERNARDO - Sim, mas agora esse não é o tema. Temos de dar resposta para o que está acontecendo no País. Podemos ganhar a eleição, se o governo mostrar que dá conta do recado. Até agora nós somos um governo bem-sucedido.
 
FOLHA - A gerência da crise é importante para o sucesso eleitoral?
BERNARDO - Essa crise vai mostrar que nós temos um timoneiro no país e uma subtimoneira também.
 
FOLHA - Se for mal nesse gerenciamento as chances de perder são grandes?
BERNARDO - Claro.
 
FOLHA - Não falta jogo de cintura à ministra? Ela chegou a ganhar um bambolê do PMDB numa alusão a essa falta de habilidade para lidar com as raposas políticas.
BERNARDO - Acho que falta sim. Falta. Mas talvez seja uma virtude. Será que o povo quer gente que fique rebolando com bambolê? Não vamos confundir política com teatro de rebolado.
 
FOLHA - O lulismo conseguirá transferir votos para Dilma?
BERNARDO - Não é o lulismo. Qualquer governo bem sucedido tende a eleger o sucessor. O Lula não teria sido reeleito se não fosse o sucesso do governo em 2006. No cenário de 2006, tinha tudo para perder e ganhou.
 

Leandra Peres e Kennedy Alencar, da Folha de S.Paulo
 

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