8 de Outubro de 2008 às 23:02

Começa a estatização, diz colunista da Folha

Britânicos vão estatizar parte dos bancos, Espanha prepara pacote e BC dos EUA assume o papel de banco comercial
 
A ESTATIZAÇÃO de fatias grossas do sistema financeiro euroamericano vai começar, agora de modo sistemático. Hoje, o Reino Unido anuncia o plano de comprar até US$ 87 bilhões (R$ 202 bilhões) em ações dos seus cinco maiores bancos. Havia rumores de que pelo menos dois deles não resistiriam à virada da noite -o dinheiro vale um terço da economia argentina.
 
A idéia inicial é que os bancos continuem a ser companhias privadas.
 
Mas o governo terá representantes na direção e algumas normas serão baixadas para que os bancos não parem de emprestar para clientes de varejo e a pequenas e médias empresas. De quebra, jogando para a galera, o governo vai limitar o rendimento dos altos executivos.
Essas são, mais ou menos, as “diretrizes” que a União Européia aprovou para a intervenção em massa nos bancos.
 
Na sexta-feira, a Espanha deve anunciar um pacote de até US$ 68 bilhões (R$ 158 bilhões) para financiar a compra de ativos financeiros dos bancos, ora saudáveis, a fim de que eles descongelem o fluxo de empréstimos para a economia “real”.
 
Mais complicado, mas mais impressionante, é que o FED, o banco central dos Estados Unidos, tornou-se na prática um banco múltiplo, para não dizer ênuplo, de “n” utilidades: além de autoridade monetária, é agora banco de bancos, banco comercial e de investimento. O FED vai financiar a atividade cotidiana de empresas e de bancos, por meio de um veículo de propósito específico, uma “subsidiária”, digamos. Vai comprar notas promissórias das firmas. Isto é, vai emprestar dinheiro para o capital de giro, os recursos de que as empresas necessitam para tocar atividades comezinhas, como honrar a folha de pagamento.
 
Em geral, fundos de investimento compravam tais papéis de empresas. Com a crise, tais fundos congelaram de medo de calote.
 
Em suma: o dinheiro apenas flui no centro do mundo quando é intermediado pelos bancos centrais, o FED em particular. Alguma coisa parecida, embora em muito menor escala, começa a acontecer no Brasil, também varrido pela seca duradoura de crédito. A coisa pode não parar por aí. Talvez o FED tenha de garantir todas as transações entre instituições financeiras dos EUA, como uma espécie de seguradora gigante de calotes financeiros, uma das alternativas restantes ao medo paralisante de emprestar e ser caloteado.
 
Tais iniciativas, tão extraordinárias quanto vexaminosas, mas necessárias, resultam de três semanas de congelamento de crédito. São o efeito final da desconfiança dos mercados em seu próprio sistema de preços e de avaliação de riscos.
 
Calotes imobiliários relativamente pequenos destruíram o valor de títulos financeiros lastreados em simples prestações da casa própria, e assim o valor dos investimentos financeiros de bancos. Quebrados por conta e risco próprios, não emprestam dinheiro entre si. Sem capital, temem emprestar à produção.
 
Para evitar eventual confusão, e desculpas pela obviedade, a estatização da finança do mundo rico não é uma opção pelo dirigismo estatal, mas medida desesperada com o objetivo de evitar que a ineficiência catastrófica do mercado financeiro moderno resulte em desastre ainda maior para a dita “economia real”.
 

 
Vinicius Torres Freire, da Folha de São Paulo
 

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