17 de Setembro de 2008 às 12:26

Crise afetará muito pouco o Brasil, diz criador da sigla Brics

O Brasil deveria se preocupar menos com a crise nos EUA e em outros países desenvolvidos e mais com o crescimento da China e com os preços do petróleo e de outras commodities. A avaliação é de Jim O'Neill, economista-chefe do Goldman Sachs e criador da expressão Bric (as iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China).
 
Segundo ele, “as pessoas não deveriam exagerar” o impacto do mais recente episódio da crise econômica global, a quebra do Lehman Brothers. O impacto da enorme turbulência será “muito pequeno” no crescimento do Brasil, que tem de ficar atento a duas barreiras: um crescimento abaixo de 7% na China e o petróleo abaixo de US$ 80. Além disso, conter os gastos governamentais. Em sua avaliação, a economia do Brasil nunca esteve tão “sólida” e “estável” nos últimos 30 anos.
 
Partidário da tese do “descolamento” entre as economias emergentes e as dos países desenvolvidos, O'Neill diz: “Graças a Deus que temos os Brics!”. Segundo ele, essa é uma crise apenas do mundo rico.
 
PERGUNTA - Como essa nova fase da crise vai afetar o mundo?
JIM O'NEILL - A que crise você está se referindo?
 
PERGUNTA - À falência do Lehman, à venda da Merrill Lynch, à situação difícil da AIG...
O'NEILL - Minha visão é: graças a Deus pelos Brics!
 
PERGUNTA - Por quê?
O'NEILL - Todas as pessoas que estão reagindo com um enorme medo ao que aconteceu nesse final de semana precisam se perguntar o seguinte: isso vai afetar o consumidor chinês? O fato de o Lehman não existir mais vai ter um impacto negativo nas vendas do comércio chinês? Para o mundo que está emergindo para ser a liderança do futuro, não é nada demais esse problema. É uma enorme questão nos EUA e nos países ricos. Mas, no mundo como um todo, as pessoas não deveriam exagerar os impactos dessa crise.
 
PERGUNTA - O que o senhor quer dizer com isso?
O'NEILL - Eu vejo o que está acontecendo com o Lehman como mais um sintoma do fim de auge do consumo norte-americano. Se você olhar toda a informação que nós temos, inclusive do Brasil, mas particularmente da China, as vendas no varejo e os gastos dos consumidores estão se acelerando nos Brics, enquanto os EUA estão sofrendo imensamente com a turbulência econômica mundial. São sintomas, muito mais do que a causa. Desde que não haja um problema sistêmico, não acho que seja importante o que as pessoas falam.
 
PERGUNTA - As pessoas falam muito de "descolamento". O senhor parece ser partidário dessa idéia.
O'NEILL - É justamente isso que acabei de falar. Estamos com um genuíno descolamento da demanda doméstica nos grandes mercados emergentes para longe dos EUA. O Brasil não precisa mais dos EUA.
 
PERGUNTA - O Brasil cresceu 6% no último trimestre. Essa crise não vai afetar em nada o crescimento do país, é isso o que o sr. está dizendo?
O'NEILL - Muito pouco. Se a China crescer abaixo de 7%, isso me preocuparia muito mais no Brasil do que a situação dos EUA. Porque a China tem sido o grande condutor marginal da economia no último ano. Não vamos saber se o B nos Brics é merecido até que as commodities passem por um período de correção. Acho que é bom que o Brasil esteja passando por esse teste, com a queda das commodities. E, até agora, o Brasil tem feito um grande trabalho. A política do BC é fantástica.
 
PERGUNTA - O senhor tem uma visão bastante rósea da economia brasileira.
O'NEILL - Sim. Tenho duas preocupações com a economia brasileira nos próximos anos. Um: como o Brasil vai lidar com a queda das commodities. O país está indo muito bem. Dois, o governo continua a gastar muito dinheiro. Se o Brasil continuar a manter o ritmo de crescimento acima dos 5%, então será necessário que o governo reduza seus gastos. Mas estou muito otimista. O Brasil é uma economia mais forte e estável do que em qualquer ponto nos últimos 30 anos.
 

Pedro Dias Leite, de Londres, para a Folha de S. Paulo
 

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