Casa de Portugal, noite de 30 de agosto de 1978. Milhares de trabalhadores de bancos públicos e privados realizavam a maior assembléia de bancários desde a implantação do Ato Institucional nº 5 para deflagrar, a partir de 1º de setembro, uma greve geral da categoria.
Inspirados no slogan dos metalúrgicos do ABC - Braços Cruzados, Máquinas Paradas -, que meses antes haviam iniciado greve na Scania, o movimento bancário, liderado por um grupo de oposição à diretoria do Sindicato à época, utilizou o Cruzar os Braços, Dentro da Agência. A idéia consistia basicamente em não trabalhar e não aceitar provocações, num protesto pacífico. Estratégia definida na assembléia do dia 30, uma quarta-feira, e que marcou o início do movimento para a sexta, 1º de setembro. A quinta-feira, 31, seria utilizada para conscientizar toda a categoria para a mobilização.
A adesão não chegou a ser a esperada pelo Comando de Greve, justamente porque a pressão nas agências, das chefias e da clientela, era imensa. Muitos, no entanto, seguiram a orientação, inclusive deixando as agências e se dirigindo ao Sindicato. “Foram pegos de surpresa, a diretoria da época simplesmente abandonou o movimento, fechando a sede para os trabalhadores e para a oposição”, diz Luizinho Azevedo, um dos líderes dessa oposição que à época era funcionário do Banco do Brasil, lembrando que a solução foi montar uma mesinha no pátio da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
“A greve começou forte, mas ninguém conseguia seguir a orientação do comando, pois diferentemente das fábricas, os bancos tinham diversos chefes de departamento, além da pressão natural da clientela. Isso fez com que a greve, que tinha tudo para ser vitoriosa, acabasse logo”, avalia. “A própria estrutura das concentrações era diferente da fábrica. Nos prédios ninguém sabia se o andar de cima ou de baixo estava aderindo ao movimento, uma tremenda insegurança que também inviabilizou aquela luta”, diz. Mesmo assim, em concentrações como a do Banco do Brasil na Avenida São João, cerca de 200 dos 1,5 mil funcionários permaneceram parados em seus locais de trabalho.
A resposta das autoridades foi dura. Principalmente em função de o regime militar ter colocado em vigor o Decreto Lei 1.632, que colocava os bancos na esfera de serviços essenciais, proibindo que trabalhadores da compensação, por exemplo, entrassem em greve. A Polícia Federal, que tinha o atual senador Romeu Tuma na Superintendência, invadiu o Sindicato, prendendo vários bancários. A Tropa de Choque tomava conta do Centro para reprimir os manifestantes.
Na porta – “Fazíamos também reuniões na Catedral da Sé para distribuir os pacotes dos boletins da oposição entre nossos militantes. A polícia estava do lado de fora e bastava sair na rua para que recolhessem grande parte do material”, lembra o então funcionário do Banerj (Banco do Estado do Rio de Janeiro) Gilmar Carneiro. O bancário foi presidente do Sindicato entre 1991 e 1994.
Gilmar explica que o ambiente político de mudanças era imensamente favorável e a greve dos bancários recebia apoio do movimento estudantil, dos metalúrgicos do ABC, dos jornalistas, padeiros, da Frente Nacional dos Trabalhadores. “Era um amplo movimento contra o regime militar, onde todos ajudavam todos”, reforça.
Nas assembléias, a presença de funcionários dos bancos privados como o Nacional, Unibanco, Bradesco, entre outros, era maior que a dos públicos. “Foi uma greve que teve um saldo político importantíssimo. Foi dessa greve que a oposição saiu fortalecida e ganhou a eleição no Sindicato no ano seguinte. E nos posteriores, as oposições ganharam as diretorias dos sindicatos de bancários das principais capitais, criando condições para uma nova greve em 1979. Essas duas, 78 e 79, serviram de aprendizado para consolidar uma organização no local de trabalho que permitiu a histórica greve nacional de 1985”, explica.
E, em meio ao movimento, os dirigentes do Sindicato da época fecharam um acordo com os banqueiros no Tribunal Regional do Trabalho. Colocando um fim à greve, mas não ao movimento que havia nascido.
Repressão - Muitos bancários foram perseguidos politicamente durante e após a greve de 1978. Gilmar e outros dois companheiros do Banerj foram presos quando auxiliavam na greve do Banco do Brasil, na Avenida São João. “Depois fui solto e quando retornei à minha agência fui informado que estava demitido por ter feito a greve. Isso só não foi confirmado porque o pedido de dispensa foi barrado no Rio de Janeiro”, destaca Gilmar.
Trabalhadores foram duramente espancados no dia da greve na Cidade de Deus, matriz do Bradesco, em Osasco. A notícia saiu no jornal O Batente: No dia 1º de setembro, data prevista para o início da greve, o ambiente era tenso na Cidade de Deus. Uma duvida ficava no ar: como parar e a que horas? A dúvida persistiu até a hora do almoço, quando a gerência da seção de cadastramento, onde trabalhava Paulo José de Lima, segurou todos os funcionários, para depois libera-los aos poucos.
“Quando chegou a minha vez” lembra Paulo “vi que o gerente ficou à frente da porta de saída e mandou que seus capangas me revistassem. Fiquei espantado, pois não fiz nada que justificasse aquela atitude. Tentei sair rapidamente da sala, mas não consegui. Os guardas me cercaram e, armados de cacetetes, me espancaram na frente de outros colegas, que permaneceram imóveis sem saber o que fazer”. “Em seguida - continua Paulo - me colocaram num Volks azul, do próprio banco e me levaram dali. Quando estávamos próximos da Vila Yara, já em alta velocidade, me atiraram para fora”.
Paulo, posteriormente, foi demitido do Bradesco, mas antes registrou Boletim de Ocorrência contra seus agressores.
Jair Rosa, do Seeb/SP