13 de Abril de 2012 às 12:40
Pela 1ª vez, bancário presidirá a CUT (foto: Claudio Belli/Valor)
Raphael Di Cunto - Valor Econômico
Quase 30 anos depois de sua fundação, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) terá, pela primeira vez em sua história, um presidente bancário. Atual tesoureiro da entidade e ex-caixa do Bradesco, Vagner Freitas, 45 anos, tem apoio da corrente majoritária da central e deve ser eleito presidente no 11 º Congresso Nacional da CUT, de 9 a 13 de julho.
Ex-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Freitas vê apenas os bancos públicos cumprindo o papel "de auxiliar o desenvolvimento do Brasil" e promete apertar o cerco contra o setor financeiro. Segue a linha da presidente Dilma Rousseff, eleita pelo PT - partido do qual se diz um "militante crítico" - e cobra dos bancos privados mais financiamento ao crescimento do país e a redução do spread bancário.
Ele defende que o Brasil aproveite o momento econômico para aumentar os direitos dos trabalhadores e quer implantar o contrato nacional para todas as categorias - hoje só os bancários e petroleiros têm o benefício, que garante o mesmo salário e benefícios, independentemente da empresa em que trabalhe. Isso combateria inclusive a guerra fiscal, diz.
Freitas assumirá no lugar de Artur Henrique, que deixa o cargo depois de dois mandatos e seis anos. Ele comandará a maior central sindical do país e a quinta do mundo, com 2,2 mil sindicatos filiados, que representam 38% dos trabalhadores sindicalizados brasileiros. Será o primeiro presidente da entidade eleito após o governo do ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, fundador da CUT e do PT, e seu mandato coincidirá com o da presidente Dilma Rousseff, que não tem uma relação tão fluida quanto a do antecessor com o movimento sindical.
Em entrevista ao Valor, a primeira depois de lançada sua candidatura, o futuro presidente da CUT faz poucas cobranças ao governo e atribui à central a responsabilidade de movimentar a pauta trabalhista no país. Diz entender que Dilma é pressionada por "forças conservadoras" e que há uma disputa entre os partidos da base aliada por espaço e pela sucessão presidencial. Por isso, afirma, o movimento sindical precisa ir às ruas e dar sustentação ao governo para aprovar mudanças estruturais.
Valor: Confirmada sua eleição, o senhor será o primeiro presidente da CUT que veio do ramo financeiro. O que isso muda para a central?
Vagner Freitas: Ter um bancário como presidente da maior central sindical do Brasil vai enfatizar mais o pensamento de que o setor financeiro tem de ser voltado para o crescimento e desenvolvimento do país, e não para a lucratividade das seis famílias que comandam os bancos brasileiros. É um debate que mexe com toda a sociedade brasileira. O empresariado deveria se mobilizar e fazer propostas sérias de reforma tributária. Tributa-se muito mais a indústria, que produz, do que o setor financeiro, que faz intermediação de capital. É o setor que mais lucra no Brasil, mas o que menos dá contrapartidas. Esse debate, não tenha dúvida, vem à tona com a nossa eleição.
Valor: O governo tenta reduzir, por meio do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, o spread bancário (diferença entre o que o banco paga para obter o dinheiro e o que cobra para emprestar). É esse o caminho?
Freitas: Não são só o BB e a CEF que tem que fazer politica pública. Mas são os bancos públicos que estão financiando a produção e o crescimento, enquanto os privados ganham com a rotatividade fácil. Há cada vez mais bancos brasileiros ranqueados como os principais do mundo. O Bradesco e o Itaú ganham outro Bradesco e outro Itaú a cada quatro anos. E qual é a contrapartida disso para o Brasil? O que trouxe de ganho para a população ter o Itaú e o Bradesco entre os 50 maiores do mundo? Isso é importante só para os donos dos bancos.
Valor: Qual a proposta da CUT para mudar isso?
Freitas: Queremos a regulamentação do artigo 192 da Constituição Federal, sobre a atuação dos bancos e setor financeiro no Brasil. Queremos alterá-lo para que o setor financeiro seja voltado para o interesse da sociedade. Só com o BB, a Caixa, BNDES, Banco do Nordeste, o da Amazônia e outros de fomento, o Brasil já teve uma atuação altamente diferente do mercado mundial em 2008, que permitiu passar bem pela crise econômica. Se tivéssemos um setor financeiro todo direcionado para isso, teríamos facilidade para enfrentar a crise e teríamos ainda mais desenvolvimento no país.
Valor: Essa será a principal pauta da central na sua gestão?
"Tributa-se muito mais a indústria, que produz, do que o setor financeiro, que faz intermediação de capital"
Freitas: Já temos um ramo inteirinho na CUT que trata do setor financeiro, então esse não será o único tema da central. O que precisamos é aproveitar o momento econômico do Brasil para obter ganhos e conquistas perenes para a classe trabalhadora. É preciso avançar nos direitos trabalhistas, aprovar no Congresso a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução do salário, construir uma nova estrutura sindical e expandir o contrato nacional de trabalho para várias categorias.
Valor: Como é esse contrato?
Freitas: O trabalhador bancário, seja de banco público ou privado, na avenida Paulista - que é o principal centro financeiro do Brasil - ou no interior da Amazônia, tem sempre o mesmo contrato de trabalho, que garante que, se ele é transferido para o interior de São Paulo, vai com a mesma condição e remuneração que teria na capital. É diferente, por exemplo, de setores como a indústria, em que o trabalhador tem que negociar sua remuneração e benefícios em cada montadora e cujas benesses dependem de sindicatos extraordinários, como o dos Metalúrgicos do ABC.
Valor: Mas esse tipo de contrato aumentaria os custos das empresas. Como fazer o setor industrial aceitar o contrato nacional?
Freitas: Além dos bancários, apenas os petroleiros, que trabalham para uma única empresa, a Petrobras, tem contratos nacionais. É claro que isso existe porque também interessa aos banqueiros ter muitas agências e pontos de atendimento em todo o país. É uma lógica diferente da indústria, onde a mão de obra fica concentrada nas montadoras. Mas achamos que é possível construir acordos nacionais respeitando as características de cada segmento. Isso ajudaria a combater a guerra fiscal que os Estados fazem para atrair montadoras, utilizando como principal ativo, além dos incentivos fiscais, o valor da mão de obra desvalorizada em locais que não sejam os do centro. A indústria pede várias isenções, ajuda do governo. Eles querem os benefícios? Tudo bem, concordamos, mas precisa ter como contrapartida modernizar também a contratação.
Valor: A indústria brasileira enfrenta problemas com as importações e perde espaço no PIB [Produto Interno Bruto]. Dá para exigir contrapartidas agora?
Freitas: A fatia da indústria no PIB diminuiu no mundo todo, não apenas no Brasil. Pela própria característica do capitalismo financeiro, outros setores da economia crescem mais. O desenvolvimento brasileiro não pode ser só de números, avaliado pelo PIB. Outros países que cresceram e sucatearam seu parque industrial, como Estados Unidos e México, hoje não conseguem ser competitivos porque dependem da volatilidade do capitalismo financeiro. O Brasil não pode ser isso. Entendemos que alguns setores da indústria brasileira estão em crise e que o governo tem que adotar medidas para auxiliá-los, mas queremos discutir as contrapartidas sociais, como o contrato nacional de trabalho.
Valor: O senhor deve ser o primeiro presidente da CUT eleito no pós-Lula. A relação é diferente do que era com a presidente Dilma Rousseff?
"Não poderíamos exigir que a presidente Dilma fizesse um governo idêntico ao do presidente Lula, até pelo carisma dele "
Freitas: É a continuidade da gestão. Não poderíamos exigir que a presidente Dilma fizesse um governo idêntico ao do presidente Lula, até pelo carisma dele. Ela vem de outra origem, tem olhar mais técnico. O que mudou é a base de sustentação, que cria mais dificuldades para governar. O acordo para ter partidos importantes [como aliados] faz com que o governo seja disputado o tempo todo, e a base aliada já olha para sucessão presidencial e apresenta suas candidaturas. É completamente diferente ter, por exemplo, o Zé Alencar de vice e o Michel Temer de vice. A perspectiva política deles é diferente. A presidenta Dilma tem que negociar muito mais para fazer transformações importantes. Nós, da CUT, entendemos isso.
Valor: Mas a relação do sindicalismo com o governo é diferente também. É recorrente a reclamação de que os trabalhadores não são chamados a opinar nos projetos.
Freitas: Para a CUT, independente de quem seja o governante de plantão, o avanço da classe trabalhadora só vem com organização da própria categoria para reivindicar e convencer o empresariado e o governo dos avanços que precisamos ter. A presidenta é pressionada por setores conservadores, que são fortes. Quando o presidente era o Lula, muitas das demandas sindicais vinham da própria vontade dele. Agora temos que fazer nosso papel, pressionar, organizar movimentos públicos de massa, dar sustentação para a presidenta realizar as mudanças necessárias dentro do projeto para o qual este governo foi eleito.
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