30 de Janeiro de 2009 às 12:12
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Ao invés de emprestar, os bancos dos Estados Unidos e na Europa estão retendo em caixa a gigantesca soma de US$ 1,6 trilhão, mais do que receberam dos governos, e com isso aprofundando a recessão global. Um documento do Institute of International Finance (IIF), ao qual o Valor teve acesso, diz que o “excesso de liquidez aumentou a novo recorde tanto nos bancos americanos como europeus, e a intermediação financeira no sistema bancário não foi retomada'”.
Ou seja, os bancos recebem dinheiro dos governos, mas continuam relutantes a irrigar a economia. Os bancos dos EUA estão retendo em caixa mais de US$ 1 trilhão e os bancos europeus outros US$ 504 bilhões.
Esse “excesso de liquidez” foi alvo de discussões ontem numa reunião de bancos de 16 países, em Zurique, onde ficou claro que a crise financeira global está bem pior do que se imaginava. “A bolha do endividamento estourou, nunca vi nada dessa dimensão em minha vida”, disse o tarimbado William Rhodes, do Citibank. “A esta altura, pode-se esperar qualquer coisa”.
Outro participante notou: “É uma situação absurda, estão indo na direção contrária do que os governos esperam com seus pacotes de ajuda ao setor, causam mais recessão e contagiam mais os emergentes”. Cerca de 35 ministros de finanças e presidentes de bancos centrais estarão no Fóorum de Davos, que começa hoje, e uma das questões centrais é se mais intervenção será necessária para reativar o fluxo de crédito na economia.
O cenário atual provoca questões sobre a eficácia dos esforços de governos para estimular os mercados financeiros. Os grandes bancos seguram capital para cobrir perdas atuais e futuras. Em Zurique, o argumento de alguns banqueiros foi de que, quando mais desalavancagem, maior a aversão ao risco. E enquanto desalavancam, dizem que não podem emprestar.
Economistas do Goldman Sachs estimam que as instituições financeiras e investidores vão sofrer perdas de US$ 2 trilhões em créditos nos EUA, mas até agora só reconhecerem metade dessa soma. Isso assusta investidores a colocar mais capital em bancos, e torna os bancos relutantes a fazer novos empréstimos.
O aperto violento do crédito, por parte dos grandes bancos internacionais, vai provocar uma queda dramática no fluxo de capitais para países emergentes. A constatação ontem em Zurique foi de que isso vai piorar a dificuldade para a rolagem das empresas do setor privado. Se esse problema não tiver tratamento adequado, haverá calotes em cadeia por parte das empresas, que rebaterão na saúde já combalida dos próprios bancos.
Banqueiros de países industrializados, querendo se livrar de calotes, propõem sobretudo aumento de créditos por parte do FMI para os emergentes, para que estes os paguem. Uma das idéias seria o aumento da contribuição de alguns países como China, Índia, Rússia e nações do Golfo Pérsico ao FMI usando as reservas internacionais como base. Isso permitiria elevar o capital do Fundo entre US$ 150 bilhões e US$ 250 bilhões, sem aumentar suas quotas imediatamente.
Outra proposta é emissão em larga escala de SDR (Direito Especial de Saque), a moeda do Fundo, com potencial de US$ 300 bilhões adicionais. Uma ampla alocação de SDR poderia dar uma infusão imediata aos países emergentes e tranqüilizar os mercados sobre sua capacidade de crédito. Numa alocação de US$ 100 bilhões, por exemplo, US$ 60 bilhões iriam para os países mais ricos, US$ 3 bilhões para Brasil e México, menos de US$ 5 bilhões para a Africa.
O IIF defende também que o FMI recorra ao mercado de capitais, podendo pegar emprestado pelo menos US$ 100 bilhões a taxas favoráveis. Outra opção é vender ouro. O FMI dispõe do equivalente a US$ 85 bilhões nesse metal.
Já Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), um dos membros do Conselho Consultivo de Mercados Emergentes, criado pelo IIF, foi na outra direção. Destacou que o problema não é de liquidez dos países emergentes. E sim a aversão ao risco por parte dos bancos, e que causa o aperto de crédito.
Coutinho defendeu que, para reduzir o aperto de crédito, seja aumentando o capital do Banco Mundial em algo entre US$ 200 bilhões a US$ 250 bilhões, para atender diretamente empresas. Sugeriu o modelo do BNDES, para que o Banco Mundial e bancos regionais de desenvolvimento façam o repasse através de bancos privados ou de bancos públicos bem organizados.
Coutinho sugeriu a criação de um fundo de garantia de risco de credito, para dar mais confiança para os bancos operarem esses recursos. De um lado, haveria o compartilhamento do risco. De outro, os bancos teriam a obrigação de repassar o dinheiro ao setor privado.
Na atual situação de “entesouramento” do dinheiro, certos analistas consideram que o jeito será os governos nacionalizarem os bancos. Outros defendem a criação dos “bancos ruins” pelo qual os governos compram os títulos tóxicos, removendo ativos ilíquidos dos balanços e criando menos incertezas sobre a solvência das instituições.
Em todo caso, parece haver consenso que “consertar” o sistema bancário vai demorar pelo menos 18 meses.
Assis Moreira, do Valor Econômico