20 de Janeiro de 2009 às 12:19

Valor: Citi enterra sonho de conglomerado global

Na manhã de 6 de abril de 1998, quando Sandy Weill e John Reed entraram no Waldorf Astoria para enfrentar a imprensa, o negócio que eles haviam fechado já havia entrado para os anais da história dos negócios. Enquanto os flashes pipocavam nos rostos de Weill, então presidente-executivo da Travelers, e de Reed, seu colega no Citigroup, a fusão de US$ 83 bilhões dos dois grupos já era descrita como o negócio do século.
 
A união da empresa de seguros e corretagem de valores montada por Weill por meio de um frenesi de aquisições na década anterior com as operações de varejo internacionais e empréstimos comerciais do Citicorp deveria mudar o mundo bancário para sempre. Conforme disse Reed ao “Financial Times”, após dar as boas vindas a mais de 100 milhões de poupadores e milhares de empresas de mais de 100 países que se “abrigaram sob o grande guarda-chuva vermelho do Citigroup”: “Este era um negócio que simplesmente tinha que ser feito”.
 
Uma década depois, o sonho de um conglomerado financeiro global versátil capaz de vender seguros a donas-de-casa de Nova Jersey e ações para investidores tailandeses está aos pedaços. Enfraquecido por anos de disputas internas, administração fraca, estratégias mal conduzidas e supervisão frouxa pelas autoridades reguladoras e seu conselho de administração, o Citi recebeu golpe quase fatal da mais virulante crise financeira ocorrida em gerações.
 
Depois do prejuízo de US$ 8,3 bilhões nos últimos três meses de 2008, a quinta perda trimestral seguida, o valor de mercado do Citigroup bateu nos US$ 20 bilhões - uma fração dos US$ 155 bilhões do dia da grande fusão. Enquanto o Citi luta para sobreviver e o governo dos EUA analisa a possibilidade de uma nacionalização, o mundo financeiro reage chocado ao dramático desmonte do outrora poderoso gigante bancário. “Sinto uma dor no estômago”, diz um ex-executivo sênior do grupo. “Como pôde a maior e mais poderosa instituição financeira do mundo capitular?”.
 
Mesmo que o Citi escape do colapso, depois de mais de US$ 50 bilhões em perdas com crédito, um socorro de US$ 300 bilhões do governo e uma queda catastrófica no preço da ação, o poder de lucro do banco, seu alcance e credibilidade junto aos clientes e investidores ficarão comprometidos por anos.
 
Vikram Pandit, o atual presidente-executivo, vem sendo criticado por não ter tomado medidas mais ousadas na venda de ativos e negócios, e por deixar o Wachovia, um banco regional cujo “takeover” teria ocorrido com a ajuda do governo, escapar de suas mãos no fim do ano passado. Pandit, que assumiu há um ano, poderá perder o emprego nas próximas semanas. Seu estilo administrativo cerebral e contido, e declarações públicas pouco inspiradas, não conseguiram aumentar o moral dos 350 mil funcionários do Citi, enquanto sua propensão a depender de círculo pequeno de auxiliares do Morgan Stanley, banco em que trabalhou anteriormente, alienou muitos executivos de longa data do Citi.
 
Mas, apesar de todo o drama dos últimos meses, que culminou no plano da semana passada de vender ou desmembrar US$ 600 bilhões em ativos ou negócios indesejados - um terço do Citi -, as raízes do colapso do conglomerado datam daquela manhã de abril, dez anos atrás. Conforme disse Pandit, a fusão entre o Citicorp e o Travelers nunca foi totalmente concluída. Diz a lenda que o começo do Citigroup foi minado pela falta de química pessoal entre Weill, o nova-iorquino com um apetite voraz por aquisições, e Reed, o banqueiro aristocrata que tinha uma visão globalizada dos negócios. Mas embora os dois presidentes-executivos adjuntos tivessem uma relação tempestuosa, que levou a um confronto amargo que resultou na saída de Reed em 2000, o pecado original na concepção do Citi foi que seus negócios diversificados não estavam integrados de maneira adequada. “De certa forma, foi um casamento de conveniência”, lembra um executivo que trabalhou na fusão. “O Citicorp tinha uma grande franquia e precisava de uma boa administração, e o Travelers tinha uma boa administração e precisava de uma franquia”.
 
O resultado foi uma aglomeração pouco confortável de negócios e equipes administrativas que careciam de uma estratégia comum. Um ex-executivo lembra que a primeira estrutura organizacional tinha tantas unidades com presidências adjuntas que rapidamente a nova instituição ganhou o apelido de “Arca de Noé”. Weil e Reed tentaram incutir um sentido de missão nas províncias discrepantes de seu império, perseguindo a idéia da venda cruzada de produtos para sua enorme base de clientes.
 
Em sua forma mais simples, o conceito era de que os poupadores do Citicorp iriam correr aos montes para os negócios de seguros e corretagem de valores do Travelers, enquanto as empresas que tomavam empréstimos junto ao Citicorp iriam buscar consultoria e serviços de mercados de capitais do Salomon. Isso, por sua vez, semeou a idéia frequentemente repetida de um “supermercado financeiro” - uma loja de parada única com uma grande quantidade de produtos e alcance geográfico para atender todas as necessidades das empresas e consumidores.
 
Um ex-executivo descreve a companhia mais como um “shopping center financeiro” do que um supermercado. “Aqueles negócios nuncam foram estruturalmente integrados, pelo menos no lado do consumidor”, diz ele. “Nunca houve um grande esforço para ensinar os caixas das agências a venderem anuidades, hipotecas e cartões de crédito”. Em vez disso, a vantagem de ter tantos negócios lado a lado era proporcionar ao grupo combinado uma escala sem rivais e uma presença geográfica que impressionava os investidores e massacrava os concorrentes ativos em apenas um produto ou região. “Cada negócio tinha que se esforçar para ser o número um de seu setor, enquanto o tamanho beneficiava o grupo através dos custos de financiamento menores e outras economias de escala”, lembra outro membro do círculo mais próximo de Weill. “Era o mesmo modelo da General Electric”.
 
Por vários anos, pareceu funcionar. Os investidores, fascinados pela personalidade carismática e otimista de Weill, e sua habilidade em aumentar os lucros, alavancaram os preços das ações do Citi. Após uma queda durante a crise da Rússia e a implosão do fundo de hedge Long Term Capital Management (LTCM) em 1998, a ação da companhia começou um longo período de desempenho superior, atingindo o pico em 2006, nos US$ 56.
 
Mas críticos afirmam que, ao contrário da GE, cuja grande carteira de negócios é mantida unida por disciplinas internas ajustadas ao longo de décadas, o gigante financeiro não tinha uma filosofia administrativa coerente. Weill era brilhante em conseguir negócios e convencer os investidores de seus méritos, mas criar um plano de sucessão e garantir que o Citi teria estrutura que o permitisse sobreviver no longo prazo nunca estiveram no topo de sua agenda. Até mesmo amigos de Weill dizem que o outro lado de seu carisma era uma personalidade autoritária e controladora - resumida pelo sinal luminoso que ficava sobre sua mesa onde se podia ler “O presidente do conselho está feliz”, ou, “O presidente do conselho não está feliz” - que prejudicou os interesses de longo prazo do Citi. Weill não foi encontrar para fazer comentários para este artigo.
 
Ex-executivos afirmam que o Citi era uma instituição delegada, onde os líderes de divisões eram livres para administrar seus negócios e formar feudos, desde que produzissem lucros para a sede, onde Weill mandava com mão de ferro. O desejo de satisfazer o líder instável do Citi levava a brigas internas frequentes - um ex-gerente descreve o Citi como “um agrupamento frouxo de tribos em guerra” -, que levaram à saída de executivos experientes.
 
Weill deixou o cargo de presidente-executivo em 2003. (Ele continuou como presidente do conselho de administração até 2006.) Seu sucessor foi Chuck Prince, “consiglière” de longa data de Weill e o conselheiro legal da companhia. No ano passado, Weil admitiu que a escolha de Prince foi “uma falha”, mas na época ela parecia ser o par de mãos que poderia guiar a companhia pelas águas reguladoras turbulentas.
 
Prince fez isso, mas não muito mais. A realidade era que suceder Weill no comando do agrupamento frouxo de negócios do Citi teria sido uma tarefa difícil para a maioria dos executivos. Para Prince, que tinha pouca experiência na administração de uma unidade operacional, isso se mostrou impossível.
 

Agora, enquanto as ações do Citi mergulham no abismo, os erros do passado pesam bastante sobre seu futuro.

Financial Times, pelo Valor Econômico
 

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